segunda-feira, 9 de maio de 2016

1.- Aos meus pais




 
As recordações que tenho dos meus pais são das mais fortes e abrangentes da minha vida. O que não é de estranhar, tendo em conta as dezenas de anos de vivências comuns. Mas escrever acerca deles é-me um pouco embaraçoso, é como se escrevesse acerca de mim próprio, coisa de que não gosto muito. Daí que, e como eles já não estão entre os vivos, vou limitar-me a registar as suas “despedidas”.
O meu pai faleceu quase ao findar a última noite do ano de 1993, uns três meses após ter feito 77 anos. Naquela noite, os meus pais tinham acabado de se deitar e, passados uns minutos, o meu pai pediu à minha mãe para lhe arranjar um copo de leite. Ela foi à cozinha tratar do pedido e, ao regressar ao quarto, o meu pai já não respondeu ao seu chamamento, já não estava entre nós. Foi assim, de repente, foi como um apagar de uma vela, foi o que se costuma chamar de “morte santa”. E, por isso, não assisti aos seus últimos momentos.

No caso da minha mãe, as coisas aconteceram de outro modo. Faleceu com 93 anos, no primeiro mês de 2011, dezassete anos e dezassete dias após a morte do meu pai. Ao princípio da madrugada do dia do seu falecimento, foi levada em ambulância, à urgência do hospital, com problemas respiratórios, problema que a afectava muitas vezes nos dias frios dos últimos invernos. Perto das 5 e meia da manhã, depois de algumas horas em tratamentos e observação, eu e a minha irmã fomos chamados pelo médico de serviço que nos confrontou com a situação do estado de saúde da nossa mãe: o coração, o sistema respiratório e outras funções vitais do corpo estavam nas “últimas”, pelo que seria de esperar o pior nas horas seguintes. Antes que tal acontecesse, eu e a minha irmã ainda tivemos oportunidade de estar junto da nossa mãe durante alguns minutos. E foi durante esses momentos, em que ela nos olhava através da máscara de oxigénio e se notava a sua tristeza e aflição, que afaguei as suas magras mãos entre as minhas e lhe disse ao ouvido, baixinho, com emoção: “Olá mãe!”. A sua morte viria a dar-se por volta das nove horas dessa manhã.

E para complementar este texto, aqui deixo uma foto dos meus pais feita num tempo em que, creio, ainda eu não tinha vindo a este mundo.


Nota:
Apesar de me referir às mortes dos meus pais, não há aqui e agora qualquer sinal de tristeza. É certo que escrevo este texto com saudades e muita emoção, mas também com paz e alegria. Isto porque sei uma coisa: a morte faz parte da vida.